CRÔNICA - Reflexões de um corpo em transformação -
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(Escritora Kelen Gleysse) |
Corpos em Transição: Entre a Estética e a Essência
Era uma vez uma cidade onde a eterna juventude parecia ser a
norma. Bicicletas de alta performance rodavam pelas ruas, enquanto pessoas se
espremiam em lycras coloridas, como se o brilho das roupas pudesse ofuscar as
marcas do tempo nos rostos e corpos. Neste cenário, a busca por um corpo
perfeito tornara-se não apenas uma meta, mas uma exigência cruel imposta por
uma sociedade sedenta por padrões de beleza inatingíveis.
Caminhando pelas calçadas desse lugar, encontrei com frequência o
olhar julgador de almas dedicadas a moldar a forma física, transformando corpos
em obras de arte, mas, na verdade, como escultores de marfim que esquecem a
fragilidade do material. “Ela está acabada!” Um comentário cortante ecoou em um
grupo que se exibia em um cafezinho pós-treino. As palavras vazavam de sorrisos
insipientes e olhares de superioridade. Os corpos eram analisados, dissecados
com a precisão de um bisturi digital, e o que antes poderia ser normal agora se
tornava alvo de críticas implacáveis.
Envelhecer, afinal, é um ato revolucionário, uma celebração da
vida e de suas nuances. Esse processo, que deve ser acolhido com amor e
aceitação, ganha contornos de tortura ao ser confrontado com a obsessão por
padrões inatingíveis. “Nossa, como você engordou!” é uma sentença que ecoa
forte, atingindo não apenas a carne, mas a alma. É o estigma da aparência que
se transforma em uma prisão, onde aqueles que não se encaixam nos moldes são
tratados como pessoas invisíveis, ou pior, como fantasmas de um passado
glorioso.
Como se a velhice fosse um pecado, aos olhos daqueles que se
dedicam a esculpir o presente físico, a linha do tempo se torna uma vilã
implacável. “Vixe, tu tá toda caída!” é o último golpe, ácido e letal, uma
certeza de que, ao pisar no universo da estética moderna, a vulnerabilidade se
transforma em fraqueza. A autenticidade, nesse jogo, perde espaço para a
superficialidade. O julgamento se torna um esporte, e a empatia, um conceito
distante, quase utópico.
Enquanto isso, os mais velhos, muitas vezes, guardam em suas rugas
histórias ricas de experiências, de sorrisos e lágrimas, de amor e dor. Eles
carregam a sabedoria de quem viveu, de quem enfrentou as transições da vida sem
titubear. E ao serem desmerecidos em suas narrativas, tornam-se vítimas de uma
crítica que prefere o efêmero ao eterno.
A crueldade não está apenas nas palavras, mas na cultura que as
alimenta. A beleza da vida reside em sua imperfeição, e envelhecer é uma bênção
que muitos gostariam de viver. Em vez de culpar o tempo, seria mais justo
admirar quem se atreve a atravessar os anos e os ciclos naturais com coragem,
pois esses são os verdadeiros vencedores em uma competição que, no fundo, não
deveria existir.
Por isso, que ser saudável e bonito, de forma genuína, não seja
uma questão de aparência, mas de acolhimento das próprias transformações. Que
as academias possam se tornar espaços não apenas de fortalecimento físico, mas
também de acolhimento e respeito à diversidade das formas e das idades, lugar
de apoio e aceitação. E que, um dia, ao invés de comentários afetados, possamos
ouvir em voz alta que o envelhecer é, na verdade, um ato de resistência e
coragem, uma arte que merece ser celebrada, e não condenada.
Kelen Gleysse Maia Andrade
Membro da
Academia Acreana de Letras – AAL
Diretora e Editora-Chefe da Edifac
Kelen
Gleysse Maia Andrade é acreana de Rio Branco, tem como companheiro de vida
Evandro Melo e é mãe de duas moças, Laiza e Giovanna. É uma profissional multifacetada no campo da
educação e da cultura. Sua formação acadêmica inclui um mestrado em Letras, com
ênfase em Linguagem e Identidade, especializações em Gestão Escolar e
Psicopedagogia, e graduação em História Licenciatura Plena. Além disso,
destacou-se em sua atuação como professora da Educação Básica e do Ensino
superior. Atualmente, no campo da cultura, atua como escritora, produtora
cultural, cineasta e pesquisadora nas áreas de Arte e Patrimônio Cultural.
Enquanto Técnico Administrativo em Educação (TAE/Técnica em Assuntos
Educacionais) no Instituto Federal do Acre (IFAC), desempenhou várias funções
nos últimos 10 anos, desde Diretora de Extensão e Cultura até Diretora
Sistêmica de Programas Especiais. Atualmente exerce a função de Diretora
Sistêmica da Editora IFAC.
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