CRÔNICA
Por Fátima cordeiro
CAFÉ DA MANHÃ
Ela sentia-se solitária.
Marido, filhos, netos. Todos, matinalmente, saiam para trabalhar. O silencio
imperava na casa. Não praticava esportes, não caminhava, não
recebia visitas, não era vista pela vizinhança. Não conhecia os vizinhos que
chegavam nem os que iam embora.
Certa vez, acordou
decidida! Iria vender café da manhã na calçada de casa! Queria companhia para
tomar café. Foi um choque familiar.
-Estais louca, vovó? Vão
dizer que estamos passando fome!
- Querida, você não precisa
trabalhar desse jeito!
Estava decidida. E, para
qualquer ideia contrária, havia preparado uma resposta à altura. Pesquisou
muito sobre os quitutes preferidos, queimou muitos bolos antes de concluir que
já havia aprendido. Ficou encantada com a disposição do padeiro em lhe ensinar
como se fazia uma boa tapioca. Aprendeu rapidamente.
E, claro, ás vezes,
sentia-se ridícula, fazendo aqueles experimentos da gastronomia. Ela, que nunca teve interesse pelo assunto e
nem sabia cozinhar. Mas, fazia tudo com dedicação e cuidado. Afinal, leu da
importância de saber cativar os clientes. Decorava o espaço da mesa com bules,
canecas e flores.
A vizinhança parecia
adivinhar o seu pânico no primeiro dia. Falavam que a palavra chave para todo
começo é a paciência.
Aos poucos, foi conhecendo a vida dos
vizinhos e de quem chegava para saborear um bolo, um sanduíche natural ou a
conhecida baixaria. Ficou feliz quando descobriu que os clientes voltavam para
comer e tomar café com leite e, principalmente, conversar. Para os mais
exigentes, sempre tinha um achocolatado e chá de canela.
O sr. Paulo era o cliente de todas as manhãs.
Gostava de conversar e falar de sua solidão, do filho que foi fazer tratamento.
Não se alimentava adequadamente, portanto, ali na barraquinha de café era bom
para ele.
Nem sabia que tinha um
vizinho peruano. Ele chegava cedo tomava café e já ia trabalhar. Era bom ouvir
um sotaque diferente.
Uma senhora que fazia
caminhadas sempre passava para levar uma tortinha de frango que falava que
ainda não tinha visto uma tortinha tão gostosa feita com pão dormido, frango e
milho.
Havia um rapazinho que ela
só viu quando criança. Puxa, como cresceu... Ele era cliente dos bolos. Levava
todos os que sobravam. Dizia acordar tarde e gostava de bolo de milho.
D. Margarida, uma
professora aposentada, gostava de tomar leite puro. Sempre falava do destrato
dos filhos e da falta de respeito. Dizia que já foi muito ágil e cuidava de
todos. Agora, tudo era diferente, os mais novos não têm tempo e nem interesse
com os problemas da velhice.
Outro vizinho estava
noivo e, sempre pedia um pão com bastante manteiga para a noiva da qual gostava
muito.
Trabalhou assim por longos
meses, até que veio um momento muito perigos para todos. Uma epidemia assolou a
vida de todos. Muitos se foram. Não
houve despedidas. Ela se foi também...
Fátima Cordeiro tem formação em Pedagogia pela Universidade Federal do Acre (UFAC) e em Teologia pela Diocese de Rio Branco. Membro fundadora da Sociedade Literária Acreana (SLA) e Imortal da Academia Acreana de Letras (AAL).
Se você gostou, deixe seu comentário e volte outras vezes!
Nossa! Que incrível essa crônica.
ResponderExcluirObrigado por partilhar conosco Fátima Cordeiro.
Um abraço do seu leitor Elizeu Melo
Belíssimo texto.
ResponderExcluir