OPINIÃO - Trabalho doméstico no Brasil: ontem e hoje, o que mudou?

 

 Autora Elza Dias

Trabalho doméstico no Brasil: ontem e hoje, que mudou?

Eu era criança, mas lembro muito bem.

Por Elza Dias

 

Era a década de 1960 e 1970. Havia muita pobreza.

No Norte de Minas, onde cresci, era comum que famílias pobres, com 10, 12 filhos, entregassem uma, duas, ou até mais filhas para viverem com famílias ricas — em troca de alimentação, moradia e, quando possível, algum estudo, geralmente à noite.

Essa prática era reflexo do abandono vivido pelos negros após a abolição da escravatura. Os libertos foram deixados à própria sorte, sem terra, sem emprego, sem moradia. Muitas famílias permaneceram nas fazendas porque simplesmente não tinham para onde ir.

Era comum os próprios pais autorizarem as patroas a "corrigir" suas filhas. E muitas delas eram surradas. A maioria nem chegava a estudar, pois seus dias só terminavam depois que as crianças da casa dormissem e tudo estivesse limpo e arrumado para o dia seguinte, que começava às 5 da manhã.

Estudar era impossível: vencidas pelo cansaço, muitas mal conseguiam manter os olhos abertos. Mas às 6 horas, o café precisava estar na mesa.

Desde muito cedo, aprendiam a fazer de tudo: cozinhar, lavar, passar, limpar, ir à feira com a madame para carregar as compras, tirar o pinico do quarto, encher a banheira para o banho da patroa…Tudo era responsabilidade das empregadas.

E ainda havia os ataques dos patrões ou dos filhos deles — algo que, infelizmente, não era raro.

Essa situação perdurou por muitos anos, pois o trabalho doméstico não era reconhecido legalmente. Valia qualquer coisa.

Só com a criação das leis trabalhistas específicas para o serviço doméstico é que começaram a surgir mudanças. Vieram os contratos com carteira assinada, horários definidos, folga semanal, salário mínimo e pagamento de horas extras.

Mesmo assim, ainda hoje vemos casos de trabalhadoras domésticas em situação análoga à escravidão — inclusive em casas de autoridades como juízes, desembargadores, advogados…

Pessoas conhecedoras da lei que mantêm outras "presas", sem salário, trabalhando 14 horas por dia, sem direito a estudo, sem convívio, dormindo em quartinhos nos fundos e comendo apenas depois da família.

E ainda dizem: “Ela é como se fosse da família”.

Mas como, se não come junto? Se não tem salário? Se vive isolada e sem direitos?

A falta de contato com os familiares foi um trauma recorrente. Muitas dessas mulheres terminaram solteiras, pela condição de prisão a que foram submetidas. E, na velhice, restou apenas a solidão, o abandono e, muitas vezes, o asilo.



Elza de Fátima Dias é funcionária pública da Universidade Federal do Acre - UFAC. Gosta de escrever e acompanha ultimamente por simpatia às atividades da Sociedade Literária Acreana - SLA em Rio Branco-Acre. Seja bem-vinda!

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(Informamos que os textos publicados são de responsabilidade total de seus autores em relação ao conteúdo e autoria.)


Comentários

  1. Antigamente era assim mesmo,eu trabalhei de faxineiro numa casa de família e sei como era o tratamento.

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  2. Na minha cidade aínda acontece isso,a melhor coisa que aconteceu foi a legalização do trabalho doméstico,ainda nos dias de hoje deparamos com acontecimentos triste como esse , parabéns por escrever, obrigada!

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  3. Parabéns, além , de muito bem escrito, retrata a mais pura realidade

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  4. É muito triste imaginar essa situação de antigamente, mais apesar de alguns avanços ainda hoje diversas empregadas domésticas ainda sofrem muito, é imprescindível, que nunca se deixe de olhar para essa classe com muita atenção, visando sempre melhorias para o setor. Entretanto, a de se focar também em fiscalizações, investigações e punições para patrões que violam as poucas leis de garantias para empregadas domésticas conquistadas com tanto suor. A autora desse texto meus parabéns, pois descreveu com maestria um tão triste fato ainda recorrente em nosso país.

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  5. Uma triste realidade! A exploração só trocou de nome: de escravo a trabalhor doméstico. Graças a Deus houveram muitos avanços, no entanto ainda temos muito a evoluir na garantia dos direitos e fiscalização quanto ao cumprimento das leis já conquistadas! Parabéns pelo brilhante texto que nos traz um despertar da realidade do nosso povo! Que Deus esteja sempre cuidando e protegendo nosso povo e nosso país! 🙌🏻

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